domingo, 13 de abril de 2008

Quer vender o carro?

Não, não estou querendo comprar. O que eu quero é que você ande de bicicleta


Olha, para começar: eu odeio ser chato. Acho desagradáveis essas pessoas que têm mania de dizer aos outros o que fazer. Cada um é responsável pela vida que escolhe, acredito muito nisso. Ou, como dizia minha avó, cada um, cada um. Mas, dessa vez, só dessa vez, vou me meter na sua vida. Acho sinceramente que você deveria vender o seu carro. Ok, seu trabalho é muito longe. Vá de ônibus, poxa, tem ainda a vantagem de você ter mais tempo para ler revistas (conhece a vida simples?). Ou mude de emprego, você não está mesmo cansado do seu trabalho (quem não está?)?

Mas, e numa emergência? Pegue um táxi! Você não precisa ter um carro 24 horas por dia, 365 dias por semana só para estar pronto para uma emergência. Táxi é caro? Manter um carro, com todas as manutenções, combustível, coisa e tal, é muito mais caro. Tão caro que provavelmente ainda fica mais barato alugar um carro de vez em quando no fim de semana para viajar. E nem falei do preço do carro, que é um absurdo. Pense no tanto de coisas que você vai poder fazer com a grana da venda.

Não ter carro tem tantas vantagens... Diminuir a preguiça, aumentar a disposição, melhorar a saúde. Andar a pé pela calçada, dar bom dia para o jornaleiro, ficar íntimo da moça bonita da padaria, tomar sol (ou chuva), ver a cidade. Pedalar pela vida, no ritmo ideal, nem rápido demais para deixar de perceber os detalhes, nem tão lento que se chegue atrasado. Venda o carro, pô.

Claro que eu corro o risco de estar exagerando. Pode ser que você realmente precise de carro (se você é motorista de táxi, por exemplo, ignore meu apelo). Mas será que não dá pelo menos para deixá-lo na garagem dois, três, quatro, cinco dias por semana? Não dá para encostá-lo de dia e só ligar o motor à noite? Não dá para fazer rodízio com os amigos?

Ajude a reduzir o trânsito. Ajude a diminuir o barulho da cidade. Ajude a deixá-la mais bonita. Você já reparou no quanto os carros deixaram as cidades feias? Cidades sem carros são lindíssimas, intrincadas, agradáveis. Em vez de motores rugindo, o barulho é de vozes, de gente feliz, se encontrando.

Tudo isso sua saúde, a beleza das cidades, sua relação com elas é importante. Mas mais sério ainda é o aquecimento global. A fumaça soltada hoje pelo seu escapamento vai virar a enchente, o furacão, o deserto, a epidemia de amanhã. E, na boa, a coisa já está bem feia.

O mundo onde os nossos filhos vão viver já está irreversivelmente comprometido. E o mundo onde nossos netos vão viver talvez não tenha nem condições de abrigar seus netos. É sério, esse é o tema mais importante do mundo, é a grande questão, é o grande problema. Tão grande que talvez nem vendendo o carro a gente seja capaz de fazer alguma diferença. Ainda assim, não vale a pena ficar com a consciência tranqüila? E ainda ganhar de brinde uma vida melhor? Então, venda seu carro!

Denis Russo Burgierman
Acha um absurdo usar uma máquina de uma tonelada e meia para carregar uma pessoa de 70 quilos.

gambiarra@abril.com.br
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/052/caminhos/conteudo_270251.shtml

sábado, 12 de abril de 2008

A Ponte de R$ 230 milhões

Parabéns São Paulo por mais um monumento ao congestionamento e a segregação. Seja bem vindo "Estilingão"!!!

10/04/2008

Estilingão - Ponte Estaiada do Morumbi

No final desse mês, São Paulo irá ganhar um presente, muito útil para alguns, inovação tecnológica para outros, praticamente uma obra de arte dirão outrens, mas no meu ponto de vista, não passa de um reflexo da política pró caos que impera a dezenas de anos em nossa cidade.

Como disse um amigo meu, “Uma ponte milionária com o nome do dono da Folha, que leva até a avenida do dono da Globo, em uma região feita para os carros e que é o centro da especulação imobiliária em São Paulo... Lindo!

Já outro fez uma relação mais simples e direta: “Meios de comunicação em Massa X Especulação Imobiliária X Cultura do automóvel individual

Eu particularmente acho esse troço feio, bizarro, mas gosto não se discute, tem gente que acha até eu bonito! Mas vamos analisar o que e a quem essa obra irá beneficiar. Um motorizado me disse o seguinte, “ela será útil quando alguém do Morumbi quiser ir para o Aeroporto, assim não precisa pegar a Bandeirantes”. Como a grande maioria da população tem que ir para o Aeroporto diariamente, tá aí uma boa utilidade.

O mais interessante é que ela não terá acesso direto ao Morumbi, suas rampas acessarão a pista expressa da Marginal Pinheiros sentido Interlagos, mas indiretamente trará alívio aos moradores desse bairro, já que a maioria dos motoristas que seguem para Santo Amaro e Interlagos vão usar a ponte nova.

O problema é que, logo nos primeiros dias, já teremos trânsito lento em cima da ponte, pois nos horários de pico é comum a Marginal, sentido Interlagos, ficar completamente parada, desde a ponte Transamérica até a ponte do Morumbi. Portanto só servirá para mudar a direção do congestionamento e também para transferir o caos da Berrini para as ruas residenciais do Brooklin.

O que mais me indigna é que essa ponte custou 230 milhões de reais. Sabe o que poderíamos fazer com esse dinheiro? Construir 100 km de corredores de ônibus, ou mesmo, 1000 quilômetros de ciclovias. Isso mesmo, já que o custo médio de uma ciclovia gira em torno de 200 e 250 mil reais.

Mas para quem interessa a construção de ciclovias? Para as montadoras é mais fácil jogar no ventilador que a única solução é o Metrô. Como deve demorar uns 100 anos para atender toda a cidade, eles ganham um tempo considerável para continuarem vendendo carros como se fossem bananas. Agora, se em 4 anos a cidade tiver 1.000 km de ciclovias, isso pode levar mais de 2 milhões de ciclistas as ruas, sendo que, segundo pesquisas, 1 milhão desses ciclistas podem ser motoristas, já imaginaram o transtorno que causaríamos?

Veja a pesquisa Ibope-Nossa São Paulo completa.

Um outro ponto que ninguém da grande mídia menciona é que ganharemos não só mais uma ponte, mas também um símbolo do descaso em relação as nossas as leis. Mas para que se preocupar com leis se a maioria dos motoristas ignora as mais básicas leis de trânsito? Não podemos cobrar que nossos governantes façam o mesmo não é? Mas voltando ao descaso, essa obra não poderia ter sido feita em lugar melhor.

Em 3 de fevereiro de 1995, foi promulgado o Decreto 34.854, que regulamenta a lei 10.907 de 1990, o decreto diz o seguinte:

Art. 1º - Os futuros estudos, projetos e obras viárias no Município de São Paulo, visando a construção de avenidas, contemplarão, obrigatoriamente, espaço destinado a implantação de ciclovias.


Como a avenida Águas Espraiadas (hoje Roberto Marinho) foi inaugurada em janeiro de 96, em cumprimento a essa lei, foi construída uma ciclovia de 200 metros, numa avenida de 4,5 quilômetros.

Ciclovia Avenida Roberto Marinho - Águas Espraiadas
Inicio da Ciclovia com o "marco inicial" no meio dela.

Ciclovia Avenida Roberto Marinho - Águas Espraiadas
Fim da ciclovia, como você é bobinho, achou que ela iria até o final da avenida?

Esse mesmo decreto prevê também:

Art. 4º - Os novos projetos para implantação de avenidas que impliquem construção de pontes, viadutos e aberturas de túneis deverão prever que essas obras de arte sejam dotadas de ciclovias, integradas com o projeto de construção da avenida.

Seria uma perfeita oportunidade de compensar uma das maiores injustiças dessa cidade em relação aos ciclistas e pedestres que são as pontes de São Paulo, mas como esta bem claro na foto abaixo, perderam mais esta oportunidade. Aliás, essa é a única sinalização oficial, que diz respeito a Bicicleta, que você encontrará com facilidade na cidade de São Paulo.

Estilingão - Ponte Estaiada do Morumbi

Já tentou atravessar a pé alguma ponte da cidade? Faça o teste e vá bem preparado para a aventura, pois em praticamente nenhuma ponte da cidade você consegue realizar uma travessia segura. A única ponte onde pedestres e ciclistas conseguem atravessar com “relativa” segurança é a ponte do Morumbi. Já cadeirantes, me desculpem, continuem sem poder atravessar nenhuma ponte da cidade.

Pontes de São Paulo - João Dias
Pedestre, atravesse sobre a faixa de pedestres. Como assim que faixa?

Pontes de São Paulo - João Dias
Atravesse calmamente pois nessa cidade você tem a preferência.

Mas fazer o que? Com certeza teremos muitas pessoas elogiando esse trambolho, até alguns pedestres que nem carro possuem ou mesmo motoristas que jamais passarão por essa ponte por morarem tão longe daqui.

Fruto dessa cultura de glamorização do patrimônio motorizado e de uma política absurda em benefício ao transporte individual motorizado. Mas de quem é a culpa, do governo? Claro que não, a culpa é da população, que influenciada ou não, foram eles que pediram isso aos políticos. A 15 anos atrás, metade dos motoristas de hoje andavam apenas de ônibus. Mas ao invés de exigirem uma melhoria do transporte público, resolveram pedir mais avenidas e pontes para usarem seus carros quando tivessem dinheiro (ou crédito) para comprar.

Antes de encerrar, não podemos citar a questão da Favela Jardim Edith, aquela que fica ao lado do Estilingão. Você sabia que querem tirar aquele povo dali e mandarem para o Campo Limpo a 18 km de distância, ou dar um cheque despejo no valor que varia de 5 a 8 mil reais?

Estilingão - Ponte Estaiada do Morumbi

Detalhe 1: Na região do Campo Limpo existem diversos moradores que vivem em áreas de risco, ou mesmo na beira de córregos sem a menor infraestrutura sanitária. Porque não alocar nessas construções da CDHU pessoas da região, ao invés de trazer de uma vez uma enorme população para uma área já densamente habitada?

Estilingão - Ponte Estaiada do Morumbi
Moradia do Campo Limpo, próximo aos prédios da CDHU.
Exibir mapa ampliado

Porque não construir em um terço da área da atual Favela Jardim Edith, "predinhos" de 4 andares no máximo, sem elevadores, para alocar os moradores da região e no resto da área, construir uma grande área de lazer para a população?

Detalhe 2 que responde o Detalhe 1: Relatório emitido pela Emurb em no final de 2007, informa que a Prefeitura deve arrecadar R$1,126 bilhão com a venda de potencial construtivo na região da Operação Urbana Águas Espraiadas. Ou seja, dá pra construir 4 pontes daquelas só com o "terreninho" ali do lado.

É isso aí povo de São Paulo, parabéns, essa ponte é o símbolo de uma conquista de vocês, não era isso que tanto queriam? Continuem pensando e agindo assim, já que dentro de seus bólidos pouco importa se suas atitudes estimulam as injustiças que ocorrem em sua cidade. O mais importante não são mais vias para seus carros? Portanto aproveitem e saboreiem essa nova vitória, pelo menos enquanto tiverem ar para respirar.

André Pasqualini
http://www.ciclobr.com.br/

A preguiça humana

DRAUZIO VARELLA

A preguiça humana

Se você é daqueles que esperam a visita da disposição física para fazer exercícios, desista

MAL DESEMBARQUEI no aeroporto Santos Dumont, dei de cara com uma jibóia contorcida que avançava em passo de procissão. Era uma fila longa e grossa constituída por mulheres com trajes formais e homens de terno escuro, ejetados pelos aviões que aterrissavam no primeiro horário da manhã.
Usuário contumaz da ponte aérea que liga São Paulo ao Rio, jamais havia me deparado com aquela aglomeração ordeira.
Assim que a jibóia fez a curva, saí de lado para enxergar a origem do congestionamento. Não pude acreditar: a fila desembocava na boca da escada rolante. Ao lado dela, a escada comum, deserta como o Saara.
Imaginei que houvesse alguma razão para tanta espera, quem sabe a escada mecânica estivesse obstruída; mas, como não percebi nenhum obstáculo, caminhei em direção a ela. Não fosse a companhia de um rapaz de mochila nas costas, dois degraus à minha frente, eu teria descido no desamparo.
Se ainda fosse para subir a escada rolante, o esforço maior e a transpiração àquela hora da manhã talvez justificassem a falta de iniciativa. Os enfileirados, no entanto, berrando em seus celulares, em pleno vigor da atividade profissional, recusavam-se a movimentar as pernas mesmo para descer.
Se perguntássemos para aquele povo se a vida sedentária faz bem à saúde, todos responderiam que não. Pessoas instruídas estão cansadas de ler a respeito dos benefícios que a atividade física traz para o corpo humano: melhora as condições cardiorrespiratórias, reduz o risco de doenças cardiovasculares, reumatismo, diabetes, hipertensão arterial, câncer, degenerações neurológicas etc.
Por que, então, preferem aguardar pacientemente a descer um lance de degraus às custas das próprias pernas?
Por uma razão simples: o exercício físico vai contra a natureza humana. Que outra explicação existiria para o fato de o sedentarismo ser praticamente universal entre os que conseguem ganhar a vida no conforto das cadeiras?
A preguiça para movimentar o esqueleto não é privilégio de nossa espécie: nenhum animal adulto gasta energia à toa. No zoológico, leitor, você jamais encontrará uma onça dando um pique aeróbico, um gorila levantando peso, uma girafa galopando para melhorar a forma física. A escassez milenar de alimentos na natureza fez com que os animais adotassem a estratégia de reduzir o desperdício energético ao mínimo.
A necessidade de poupar energia moldou o metabolismo de nossa espécie de maneira tal que toda caloria ingerida em excesso será armazenada sob a forma de gordura, defesa do organismo para enfrentar as agruras dos dias de jejuns prolongados que porventura possam ocorrer.
Por causa dessas limitações biológicas, se você é daquelas pessoas que esperam a visita da disposição física para começar a fazer exercícios com regularidade, desista. Ela jamais virá. Disposição para sair da cama todos os dias, calçar o tênis e andar até o suor escorrer pelo rosto nenhum mortal tem.
Encare a atividade física com disciplina militar ou esqueça-se dela. Na base do "quando der, eu faço", nunca dará.
Falo por experiência própria. Sou corredor de distâncias longas há muitos anos. Às seis da manhã, chego no parque, abro a porta do carro e saio correndo. Não faço alongamento antes, como deveria, porque, se ficar parado, esticando os músculos, volto para a cama. Durante todo o percurso do primeiro quilômetro, meu cérebro é refém de um pensamento recorrente: não há o que justifique um homem passar por esse suplício.
Daí em diante, as endorfinas liberadas na corrente sangüínea tornam o sofrimento mais suportável. Mas o exercício só fica bom, de fato, quando termina. Que sensação de paz e tranqüilidade! Que prazer traz a certeza de que posso passar o resto do dia sentado, sem o menor sentimento de culpa.
Se eu perguntasse às pessoas daquela fila por que razão levam vidas sedentárias, todas apresentariam justificativas convincentes: excesso de trabalho, filhos que precisam ir para a escola, obrigações familiares, trânsito, falta de dinheiro, violência urbana.
No passado, diante desses argumentos, eu ficava condoído e me calava. Os anos de profissão mudaram minha atitude, entretanto: escuto as explicações em silêncio, mas não me comovo com elas. O coração vira uma pedra de gelo. No final, quando meu interlocutor pergunta como poderia encontrar tempo para a atividade física regular, respondo:
"Isso é problema seu."