sexta-feira, 30 de novembro de 2007

OS ESTADOS INTERNOS

Deves adquirir, agora, suficiente percepção dos estados internos em que te podes encontrar ao longo da tua vida e, particularmente, ao longo do teu trabalho evolutivo. Não tenho outra maneira de fazer a descrição que não seja com imagens (neste caso, alegorias). Estas, segundo me parece, têm por virtude concentrar "visualmente" estados de ânimo complexos. Por outro lado, a singularidade de encadear tais estados, como se fossem distintos momentos de um mesmo processo, introduz uma variante nas descrições sempre fragmentadas a que nos habituaram aqueles que se ocupam destas coisas.

1. O primeiro estado, no qual prevalece o sem-sentido (aquele que mencionamos ao princípio), será chamado "vitalidade difusa". Tudo se orienta pelas necessidades físicas, mas estas são confundidas amiúde com desejos e imagens contraditórias. Ali há escuridão nos motivos e nas atividades. Permanece-se nesse estado vegetando, perdido entre formas variáveis. Desse ponto, pode-se evoluir só por duas vias: a via da morte ou a da mutação.

2. A via da morte põe-te em presença de uma paisagem caótica e escura. Os antigos conheceram esta passagem e quase sempre a situaram "abaixo da terra" ou nas profundezas abismais. Também alguns visitaram esse reino, para depois "ressuscitar" em níveis luminosos. Capta bem isto de que "abaixo" da morte existe a vitalidade difusa. Talvez a mente humana relacione a desintegração mortal com posteriores fenômenos de transformação e, também, talvez associe o movimento difuso com o prévio ao nascimento. Se a tua direção é de ascensão, a "morte" significa uma ruptura com a tua etapa anterior. Pela via da morte ascende-se rumo a outro estado.

3. Chegando a ele, encontra-se o refúgio da regressão. Dali abrem-se dois caminhos: o do arrependimento e aquele outro que serviu para a ascensão, quer dizer: o caminho da morte. Se tomas o primeiro, é porque a tua decisão tende a romper com a tua vida passada. Se regressas pelo caminho da morte, recais nos abismos, com essa sensação de círculo fechado.

4. Ora bem, disse-te que havia outro caminho para escapar da vitalidade abismal, esse era o da mutação. Se escolhes essa via é porque queres emergir do teu penoso estado, mas sem estar disposto a abandonar alguns dos seus aparentes benefícios. É, pois, um falso caminho, conhecido como o da "mão torta". Muitos monstros têm saído das profundezas desse sinuoso corredor. Eles têm querido tomar os céus de assalto sem abandonar os infernos e, portanto, têm projetado no mundo médio infinita contradição.

5. Suponho que, ascendendo do reino da morte e pelo teu consciente arrependimento, alcançaste já a morada da tendência. Duas finas cornijas sustentam a tua morada: a conservação e a frustração. A conservação é falsa e instável. Caminhando por ela iludes-te com a idéia de permanência, mas na realidade desces velozmente. Se tomas o caminho da frustração, a tua subida é penosa, ainda que a única-não-falsa.

6. De fracasso em fracasso, podes chegar ao próximo descanso que se chama "morada do desvio". Cuidado com as duas vias que tens agora pela frente: ou tomas o caminho da resolução, que te leva à geração, ou tomas o do ressentimento, que te faz descer novamente para a regressão. Ali estás posto diante do dilema: ou te decides pelo labirinto da vida consciente (e o fazes com resolução) ou regressas ressentido à tua vida anterior. São numerosos os que, não tendo conseguido superar, cortam aí as suas possibilidades.

7. Mas tu, que ascendeste com resolução, encontras-te agora na pousada conhecida por "geração". Ali tens três portas: uma chama-se "Queda", outra "Intento" e a terceira "Degradação". A Queda leva-te diretamente às profundezas e só um acidente externo poderia empurrar-te para ela. É difícil que escolhas essa porta. Enquanto a porta da Degradação te leva indiretamente aos abismos, desandando caminhos numa espécie de espiral turbulenta, em que continuamente reconsideras tudo o que perdeste e tudo o que sacrificaste . Este exame de consciência que leva à Degradação é, decerto, um falso exame, no qual subestimas e desproporcionas algumas coisas que comparas. Tu comparas o esforço da ascensão com aqueles "benefícios" que abandonaste. Porém, se olhas as coisas mais de perto, verás que não abandonaste nada por este motivo, mas sim por outros. A Degradação começa, pois, por falsear os motivos que, ao que parece, foram alheios à ascensão. Eu pergunto agora: O que atraiçoa a mente? Talvez os falsos motivos de um entusiasmo inicial? Talvez a dificuldade da empresa? Talvez a falsa recordação de sacrifícios que não existiram ou que foram impelidos por outros motivos? Eu digo-te e pergunto-te agora: a tua casa se incendiou há algum tempo. Por isso, decidiste pela ascensão, ou agora pensas que por teres ascendido aquela se incendiou? Olhaste um pouco, por acaso, para o que aconteceu às outras casas dos arredores...? Não restam dúvidas de que deves escolher a porta média.

8. Sobe pela escada do Intento e chegarás a uma cúpula instável. Desde aí, desloca-te por um corredor estreito e sinuoso que conhecerás como a "volubilidade", até chegar a um espaço amplo e vazio (como uma plataforma), que tem por nome "espaço-aberto da energia".

9. Nesse espaço, podes espantar-te com a paisagem deserta e imensa, e com o aterrador silêncio dessa noite transfigurada por enormes estrelas imóveis. Ali, exatamente sobre a tua cabeça, verás, cravada no firmamento, a insinuante forma da Lua Negra. Ali, deves esperar a alvorada, paciente e com fé, pois nada de mau pode acontecer se te mantiveres calmo.

10. Poderia suceder em tal situação, que quisesses arranjar uma saída imediata dali. Se isso acontece, poderias encaminhar-te às apalpadelas para qualquer lugar, para não ter de esperar o dia prudentemente. Deves recordar que ali (na escuridão), qualquer movimento é falso e genericamente é chamado de "improvisação". Se, esquecendo-te do que agora menciono, começasses a improvisar movimentos, tem a certeza que serias arrastado num turbilhão, por entre caminhos e moradas, até ao fundo mais escuro da dissolução.

11. Que difícil é compreender que os estados internos estão encadeados uns aos outros! Se visses que lógica inflexível tem a consciência, notarias que, na situação descrita, quem improvisa às cegas fatalmente começa a degradar e a degradar-se; surgem depois nele os sentimentos de frustração e vai caindo a seguir no ressentimento e na morte, sobrevindo o esquecimento de tudo o que algum dia chegou a perceber.

12. Se, na esplanada, consegues chegar ao dia, surgirá ante os teus olhos o radiante sol, que te há de alumiar pela primeira vez a realidade. Então, verás que em tudo o que existe vive um Plano.

13. É difícil que caias dali, salvo se voluntariamente quiseres descer para regiões mais escuras, para levar a luz às trevas.

Que valha o que se disse até aqui. Se o que se explicou não te fosse útil, que poderias objetar, já que nada tem fundamento e razão para o ceticismo, próximo da imagem de um espelho, do som de um eco, da sombra de uma sombra.

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